Startupi
Porto Digital quer fazer de Recife a capital brasileira de tecnologia
Quando se fala em ecossistema de inovação no Brasil, São Paulo domina as manchetes e os holofotes do mercado de venture capital. Mas no Recife, a estratégia consistente do Porto Digital vem transformando Pernambuco em um polo tecnológico relevante — e com ambições ainda maiores para as próximas décadas.
O Porto Digital, plataforma que usa tecnologia e inovação para desenvolvimento social local, já é responsável pela terceira maior arrecadação de ISS (Imposto Sobre Serviços) da capital pernambucana. E a meta é clara: “A gente quer ser a principal cadeia produtiva de geração de emprego e de uso social no município de Recife”, afirma Heraldo Ourem, Diretor de Inovação e Competitividade Empresarial no Porto Digital em entrevista ao Startupi durante o Rec’n’Play 2025.
Com 21 mil pessoas empregadas diretamente em empresas de tecnologia, o Porto Digital gera pelo menos 80 mil postos de trabalho quando contabilizados os empregos indiretos. “A universidade que está aqui, o café, o restaurante, a consultoria de contabilidade, o jurídico, tudo que está relacionado à cadeia”, exemplifica Ourem. O faturamento anual já alcança R$ 6,4 bilhões.
Três pilares para o desenvolvimento do Porto Digital
A estratégia do Porto Digital se sustenta em três pilares fundamentais. “A primeira é a questão territorial. A gente está olhando para esse território que você consegue circular e revitalizar ele”, explica Heraldo.
O segundo pilar é o capital humano. “Tecnologia, conhecimento, inovação aplicada para transformação de negócios precisa de pessoas, de talentos. Então, a gente tem um trabalho também muito focado em atração e formação de talentos para essa plataforma”, continua o executivo.
Mas é o terceiro pilar que fecha o ciclo: a geração de negócios. “Mas, no final, não adianta ter lugar, não adianta ter pessoas, se não tiver negócios”, resume Heraldo. E aqui, a abordagem é multifacetada — atrair grandes empresas tradicionais e de tecnologia para a região, fortalecer as empresas que já estão instaladas através de conexões com investidores e clientes, e fomentar novos empreendimentos inovadores e startups.
“Isso significa, um, atrair grandes empresas, sejam tradicionais, sejam tecnologias para a região. Eu gero o negócio. O segundo, fortalecer as empresas que já estão aqui, sejam locais, sejam vindas de outra região para cá. Como é que eu fortaleço? Possibilitando conexões de investidores, clientes, contratos, internacionalização, todo o suporte para que essas empresas façam mais negócios”, exemplifica o diretor.
Da pré-incubação à internacionalização
Para startups que querem embarcar no Porto Digital, o processo é descomplicado, como explica Heraldo. “Ela pode simplesmente alugar uma cadeira no coworking e ela já está no Porto. Ela já começa a se relacionar, ela já começa a interagir, ela já começa a participar”, explica a equipe.
Mas o grande diferencial está no pacote completo de suporte oferecido gratuitamente. “Seja, por exemplo, o tradicional pacote de assessoria, consultoria, mentoria, participação de eventos, participações em rodadas de negócios. Então, a gente oferta, enquanto operador de uma estratégia de fomento a negócios, um pacote completo voltado para a formação e fortalecimento, acesso a conhecimento, acesso a rede, acesso a conexões e também a promoção de infraestrutura física.”
Karolline Brasileiro, gerente corporativa de empreendedorismo do Porto Digital, detalha: “A gente tem uma trilha de atendimento. São chamadas abertas. Então, a gente tem uma jornada e aí passam cerca de quatro meses nessa jornada, a cada rodada. E aí, dentro dessa trilha de atendimento, elas têm um pacote tanto de oficinas, workshops, mentorias, assessorias individuais. A gente tem uma rede de mentores, de especialistas, fazendo um acompanhamento em áreas estruturantes desse negócio. Então, governança, jurídico, finanças, marketing.”
Para Brasileiro, o diferencial está nas conexões. “Eu acho que o grande diferencial do Porto Digital é fomentar essas conexões. Porque, ao passo que elas estão aí emergindo nessa trilha, elas também vão entrando em contato com outros parceiros aqui relevantes. Então, seja numa infraestrutura de coworking, elas têm contato com outras empresas, outras startups, investidores, muitas vezes.”
Toda a trilha acontece de forma híbrida através da plataforma Estratígia, desenvolvida pela TDS, uma parceira local. “Toda trilha acontece de forma virtual pelo Estratígia. E a partir dele, a gente tem tanto uma jornada colaborativa entre esses negócios e com o uso também de inteligência artificial, de agentes artificiais”, explica Karolline. “Principalmente nessa fase early stage, é a plataforma que dá bons retornos quando não tem alguém no time de uma área de marketing. Então, a gente vai alimentando essa plataforma, esses agentes, para que eles auxiliem a startup nessa fase inicial.”
Em 2025, o Porto Digital já apoiou 160 startups, com rodadas que desenvolvem entre 30 e 50 negócios simultaneamente. “Para esse ano, a gente já tem 160 startups apoiadas. E aí, o objetivo não é que ela participe só de um programa. Acho que a gente mantém esse relacionamento e faz essa geração de conexões ao longo de toda uma trilha”, conta Brasileiro.
O desafio do contexto pós-pandemia
Mas nem tudo são facilidades. A equipe do Porto Digital identifica um desafio importante no cenário atual, como detalha Ourem. “Os problemas de mercado estão muito complexos e eles estão sendo atacados por grandes players. Ou seja, o movimento que a gente tinha há 10 anos, há 15 anos atrás, de empresas com um relativo baixo investimento, só com a capacidade intelectual surgir, escalar, era mais fácil do que atualmente.”
A resposta é estratégica. “O que é que a gente está olhando? Formas de conectar problemas e soluções. Ou seja, não fazer chamada de empreendedorismo por fazer”, explicam os gestores. “É ter um ecossistema aqui, por exemplo, de problemas reais da indústria 4.0 e isso alimentar e direcionar o processo de fomento a novos negócios.”
A estratégia também passa por quebrar paradigmas românticos sobre empreendedorismo. “Estamos quebrando esse paradigma de que a startup vai surgir da garagem, o menino vai ser dropout da universidade, vai abandonar a graduação e vai ser milionário”, afirma Heraldo. “Estamos olhando, por exemplo, para o fit do time, ou seja, qual é o track record desse time, quais foram as experiências, quais foram as falhas, o que esse time aprendeu para justamente conseguir ser mais efetivo nos negócios que saem dos nossos programas.”
E há dados para sustentar essa mudança de olhar. “Não é informação minha. É informação, se não me engano, da Gartner. O perfil médio do empreendedor de sucesso é pessoas na meia idade, com uma vasta experiência corporativa. Ou seja, elas tiveram uma carreira consolidada onde elas conseguiram entender um problema, dominar a ciência perante um problema e aí elas conseguem propor uma solução para esse problema”, explica o diretor.
Isso não significa abandonar os jovens talentos. O programa Embarque Digital, focado em formar desenvolvedores júniores, continua sendo fundamental. “O programa Embarque Digital está mais centralizado no eixo de talento. Ou seja, ele está focado em geração de oportunidades produtivas associadas a uma inclusão social”, explica Heraldo. “Eu pego um talento que seria desperdiçado e consigo inserir ele no mercado tecnológico.”
Mas há um valor adicional crucial. “Ele vai, principalmente, incluir a diversidade. Ele vai trazer perspectivas, por exemplo, que não tem o homem branco de classe média. Ele vai trazer a perspectiva da mulher periférica preta. E isso possibilita que a gente descubra soluções além dos biases estruturais da tecnologia”, conta o executivo
Inovação corporativa e a ponte com grandes empresas
Karolline detalha a segunda frente de atuação: “Temos uma frente – a do empreendedorismo, mas também a frente de inovação corporativa. Então, temos conexão com uma série de grandes indústrias, grandes nomes, tanto de marcas nacionais, internacionais, algumas delas embarcadas aqui.”
“Temos uma carência dessa cultura de inovação, ainda num estado de transformação digital, e essa área olha para isso e aí entende quais são os principais KPIs, os negócios estratégicos dentro dessas indústrias, dessas empresas, e aplica essa esteira internamente”, explica Brasileiro.
Entre os clientes estão nomes como Fiat e Heineken. “Ano passado geramos mais de R$ 12 milhões, aproximadamente, em projetos de inovação corporativa”, conta Karolline. E isso fecha um ciclo importante. “Esses negócios que têm dores e desafios a sanar, a gente também faz a conexão aí entre eles, fechando aí uma cadeia”, explica. “É uma lógica atualizada de inovação aberta. Então, desafio, você propõe a partir de chamadas, soluções, aí eu vou lá e contrato o desenvolvimento disso.”
Portugal: muito além da fuga de talentos
A experiência internacional do Porto Digital em Portugal tem se mostrado estratégica por razões que vão além do óbvio. “Tem o viés de atenuar o processo de fuga de talentos. A gente viveu, e ainda vive no processo, por questões contextuais da nossa sociedade, as pessoas querem morar fora, certo? Então, de certa forma, a nossa experiência lá é para abrigar essas pessoas, e elas não perdem o vínculo absoluto com o Brasil”, explica Heraldo.
Mas, para Ourem, há uma razão de maturidade empresarial. “É principalmente do nível de maturidade que a empresa se encontra no Brasil, e que ela precisa dar um passo, que só uma experiência internacional pode proporcionar. Do ponto de vista de vencer o compliance de uma empresa que está regulada pelas leis europeias. Isso é muito mais difícil do que as leis brasileiras.”
E há a questão cultural, que surpreende muitos brasileiros. “Em Portugal, particularmente, tem um costume em que os negócios são feitos à mesa. Não acontece de, ah, eu troquei cartão num evento, vou fazer uma call remota e depois ele vai assinar o contrato. Isso não acontece”, explica o diretor.
“Você vai ter uma primeira reunião, que vai ser hoje à tarde. Vai ser aberto um vinho, que a pessoa vai querer saber o que você faz, etc. Depois vai ter uma outra reunião, depois vai ter uma outra reunião, depois vai ter uma outra reunião, e aí você consegue criar relacionamento corporativo de negócios. Tudo isso ajuda numa troca de uma experiência ampliada que eles aprendem coisas que utilizam aqui também”, detalha o executivo sobre a diferença de fazer negócios no Brasil e em Portugal.
2030 e 2050: a visão de longo prazo
Quando o assunto é planejamento, o Porto Digital pensa grande. “A gente tem aqui um viés sempre pensado muito na frente. A gente está apontando, por exemplo, a nossa estratégia hoje é apontar para 2030, mas a nossa visão é para 2050”, revelam os gestores.
Os números atuais impressionam, mas a ambição é maior. “O setor de tecnologia da informação representa hoje a terceira principal atividade de geração de notas fiscais, ou seja, de impostos sobre serviços no município de Recife. Isso é muito, muito relevante. A gente quer ser o primeiro. A gente quer ser a principal cadeia produtiva de geração de emprego e de uso social no município de Recife.”
O raciocínio por trás disso é claro. “São 21 mil pessoas que são diretamente empregadas nas empresas de tecnologia, mas que, consequentemente, geram quatro empregos indiretos. Então, eu estou falando aqui, no mínimo, 20 vezes 4, 80 mil empregos que são relacionados.”
E a visão para 2026? “É transformar Recife na capital brasileira de tecnologia. E essa visão, ampliada no contexto do Estado, ela está relacionada a uma demanda de política pública e não concentrar Recife”, explicam.
Karolline complementa com a estratégia de expansão. “Você estava mencionando sobre o processo de internacionalização, mas eu vejo como outro grande foco o processo de interiorização que a gente vem elaborando. Então, a gente tem algumas iniciativas de aumentar a inserção do Porto Digital em outros locais do Estado.”
“Tentamos captar esses negócios de outros estados do Brasil. Para essa última rodada que a gente fez hoje de Demo Day, eram negócios de 11 estados diferentes que a gente atraiu.”
A ideia é integrar tecnologia com as vocações regionais. “Se a gente puder contribuir para o desenvolvimento regional, considerando que tecnologias digitais podem se integrar em qualquer cadeia produtiva, podem, por exemplo, se integrar a Petrolina, que é muito forte na agricultura, frutas. Pode se conectar em Caruaru, que é muito forte, o varejo, a confecção, a logística.”
O Rec’n’Play 2025 reuniu 86 mil inscritos de todos os estados do país, consolidando-se como o maior festival gratuito de inovação, tecnologia e cultura do Brasil. Com o tema “O futuro feito por gente”, o festival promoveu mais de 700 atividades distribuídas em 83 espaços de conteúdo, 37 ativações de rua, 7 palcos e 30 prédios ativados, reunindo líderes, pesquisadores, artistas, empreendedores e estudantes.
Aproveite e junte-se ao nosso canal no WhatsApp para receber conteúdos exclusivos em primeira mão. Clique aqui para participar. Startupi | Jornalismo para quem lidera inovação!
O post Porto Digital quer fazer de Recife a capital brasileira de tecnologia aparece primeiro em Startupi e foi escrito por Cecília Ferraz
from Startupi https://startupi.com.br/porto-digital-recife-capital-brasileira-tecnologia/
via IFTTT