Startupi
Quando o silêncio vira cultura
*Por Tatiana Pimenta
Amy Edmondson, referência mundial em segurança psicológica, costuma dizer que um ambiente de trabalho saudável é aquele onde as pessoas se sentem seguras para assumir riscos interpessoais. Elas podem fazer perguntas, admitir erros, trazer ideias impopulares, sem medo de humilhação ou retaliação.
O oposto disso é o que Timothy Clark chama de “zona de silêncio”: lugares onde a regra não escrita é falar o mínimo possível para evitar problemas. Quando o silêncio deixa de ser exceção e passa a ser rotina, ele vira cultura. E o custo dessa cultura é alto.
Silêncio não é neutralidade. É omissão de ideias, é retenção de informações, é o adiamento de decisões críticas. É deixar que problemas cresçam porque ninguém se sente seguro para dizer que eles existem.
O sintoma invisível que corrói resultados
No Censo de Saúde Mental da Vittude, identificamos que o presenteísmo médio nas empresas brasileiras chega a 31%. Isso significa que um terço da capacidade produtiva se perde, muitas vezes, porque as pessoas estão emocionalmente esgotadas ou desmotivadas, mas continuam “presentes” para não chamar atenção.
Essa perda não está ligada apenas a fatores físicos ou cargas de trabalho excessivas. Ela também nasce daquilo que não é dito: conflitos não endereçados, erros escondidos, riscos ignorados.
Ambientes com baixa segurança psicológica geram sintomas claros: tensão constante, excesso de cautela, falta de colaboração genuína, rotatividade silenciosa e, a longo prazo, adoecimento mental. Ninguém pede ajuda quando acha que vai pagar um preço por isso.
Como o silêncio se instala
O silêncio raramente se impõe de forma declarada. Ele se infiltra. Começa com uma reunião onde uma ideia é ridicularizada. Um erro que gera constrangimento público. Uma divergência recebida com hostilidade.
Aos poucos, as pessoas aprendem que falar é arriscado, e calar é mais seguro. E quando essa percepção se torna coletiva, ela passa a definir a cultura, mais do que qualquer valor escrito na parede.
O pior é que, em muitas organizações, esse padrão é sustentado pela própria liderança, que não percebe que está sinalizando o que realmente importa: não mexer no que está quieto.
Quebrar o silêncio exige intencionalidade
Timothy Clark descreve quatro estágios da segurança psicológica: inclusão, aprendizado, contribuição e desafio. Para que uma empresa avance até o último estágio, o de desafiar o status quo sem medo, é preciso intencionalidade e consistência.
Isso significa:
- Treinar líderes para ouvir sem defensividade e incentivar perguntas difíceis;
- Criar canais seguros e confidenciais para relatar problemas, não apenas de segurança física, mas também riscos psicossociais;
- Responder com ações concretas quando alguém traz um alerta, para reforçar que falar gera impacto positivo;
- Celebrar a vulnerabilidade como parte do processo de aprendizado, e não como sinal de fraqueza.
Segurança psicológica como obrigação legal e estratégica
A atualização da NR-1 deixou claro que mapear e controlar riscos psicossociais não é opcional. E, sim, a ausência de segurança psicológica é um risco. Ela aumenta o estresse crônico, compromete a tomada de decisão, enfraquece a inovação e impacta diretamente a performance.
A tecnologia pode ajudar. Dados de clima, presenteísmo, absenteísmo e rotatividade, quando analisados em conjunto, permitem identificar áreas mais vulneráveis e agir antes que a crise se instale. Mas sem mudança cultural, esses dados serão só diagnóstico, não solução.
No fim, toda cultura comunica. O silêncio nunca é apenas a ausência de som. Ele é a presença de medo. Empresas que deixam o silêncio virar cultura estão, na prática, comunicando que proteger o status quo é mais importante do que resolver problemas.
A boa notícia é que isso pode ser revertido. Começa com um ato simples, mas poderoso: ouvir. E também demonstrar que o que foi dito importa.
Porque quando a cultura incentiva a fala com segurança e respeito, o trabalho deixa de ser um espaço de autocensura e passa a ser um espaço de construção.
Quando o silêncio se torna norma, o adoecimento cresce, os riscos psicossociais se multiplicam e o desempenho despenca. Culturas assim não são sustentáveis, não retêm conhecimento, sofrem com alto turnover e produtividade em queda.
Em 2025, o modelo do “manda quem pode, obedece quem tem juízo” já não funciona. Empresas que querem existir no futuro precisam entender que segurança psicológica não é um luxo. É um pilar estratégico para sobreviver e prosperar.
*Tatiana Pimenta é fundadora e CEO da Vittude, referência no desenvolvimento e gestão estratégica de programas de saúde mental para empresas. Engenheira civil de formação, com MBA Executivo pelo Insper e especialização em Empreendedorismo Social pelo Insead, escola francesa de negócios. Empreendedora, palestrante, TEDx Speaker e produtora de conteúdo sobre saúde mental e bem-estar, foi reconhecida em 2023 como LinkedIn Top Voice, e em 2024 como uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina pela Bloomberg Línea.
Aproveite e junte-se ao nosso canal no WhatsApp para receber conteúdos exclusivos em primeira mão. Clique aqui para participar. Startupi | Jornalismo para quem lidera inovação!
O post Quando o silêncio vira cultura aparece primeiro em Startupi e foi escrito por Convidado Especial
from Startupi https://ift.tt/SiLRBzX
via IFTTT